Proposta de adesão automática ao cadastro positivo afronta direitos e garantias fundamentais dos consumidores
Cadastro Positivo – O Governo Federal anunciou recentemente que pretende alterar os termos da Lei nº. 12.414, de 9 de junho de 2011, que disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito (cadastro positivo).
De acordo com a medida proposta, a autorização prévia e expressa do consumidor exigida para a abertura de cadastro será dispensada e todos os brasileiros inscritos no Cadastro de Pessoa Física da Receita Federal do Brasil – CPF/SRF serão incluídos automaticamente em cadastro positivo, com vistas a viabilizar acesso a crédito com juros mais baixos e condições diferenciadas.
Trata-se de iniciativa já cogitada por ocasião do debate acerca da Medida Provisória nº. 518, de 30 de dezembro de 2010, convertida na Lei nº. 12.414/2011, e que encontrou forte resistência dos órgãos e instituições de proteção e defesa do consumidor, por colocar o consumidor em situação de ampla vulnerabilidade em relação às instituições financeiras e, em particular, por colidir com o direito à privacidade e de proteção de dados pessoais nas relações de consumo.
Mesmo o Governo Federal, à época, reconhecia no ato de autorização prévia, previsto no art. 9º da Lei nº. 12.414/2011, caráter protetivo à privacidade, conforme razões de veto ao §3º do art. 4º, da citada lei, ao concluir que “O dispositivo é contraditório com o art. 9º do próprio projeto, que possui norma mais protetiva à privacidade do cadastrado por exigir autorização expressa para o compartilhamento de informações entre os bancos de dados.”
Naquela ocasião, o Ministério Público Federal – MPF questionou a instituição do cadastro positivo e ainda os seus benefícios, sua incompletude e o uso de dados pessoais em um contexto de relações assimétricas de poder:
Ocorre que a Medida Provisória n.º 518, sob a falsa ilusão de “possível redução do risco de crédito e por operação, para eventual redução dos custos vinculados à expansão do crédito e benefício para os ditos “bons pagadores de baixa renda”, disciplinando “….a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento de pessoas naturais e jurídica, para a formação de histórico de crédito”, edita normas esparsas e dissociadas do arcabouço jurídico necessário para a promoção da tutela da Proteção de Dados dos Consumidores, principalmente os de baixa renda que sequer possuem acesso à educação financeira básica.
Esta situação agrava-se ainda mais porque não há no Brasil um marco legal sobre a tutela de Proteção de Dados que resguarde os consumidores nacionais dos abusos cometidos pelas empresas pela utilização e venda indevidas de dados dos cidadãos de modo geral.
Com efeito, de modo geral, os países que institucionalizaram a adoção de cadastro positivo dispõem de legislação adequada sobre a privacidade e proteção de dados pessoais. No Brasil, todavia, a matéria não veio acompanhada dessa salvaguarda e, agora, de modo mais incisivo, se apresenta como medida impositiva, com acentuado prejuízo ao livre exercício da autodeterminação informativa.
Ademais, observa-se que o advento da legislação acerca do cadastro positivo, ao que parece, ainda não concretizou os benefícios esperados. Pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC, em 2014, “avaliou o serviço oferecido pelas três principais empresas brasileiras de proteção de crédito, gestoras do cadastro positivo – Boa Vista Serviços, Serasa Experian e SPC Brasil – e concluiu que, embora esteja em vigor desde agosto de 2013, o funcionamento e os benefícios deste cadastro não são apresentados de maneira clara ao consumidor.”
Ante essas considerações, a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – 3º CCR/MPF entende que a adesão automática ao cadastro positivo, em que pesem os benefícios pretendidos, sem o enfrentamento adequado das vulnerabilidades e riscos que recaem sobre os consumidores, como a ausência de legislação específica sobre a proteção de dados pessoais e claro disciplinamento dos modelos de avaliação e classificação de risco de crédito, afronta direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, reitera o posicionamento de que a medida, a princípio, apresenta contrariedade ao interesse público.
Acesse o documento no link: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/nota-publica-cadastro-positivo-final-2.docx/view
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